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VERMELHO-CIOBA

um pósfacio realizado por fãs da obra "barravento" de glauber rocha

Pouco mais de um ano havia se passado desde que Aruã resolveu sair da sua comunidade em busca de melhores condições de vida e trabalho para seu povo. A vista diária do desaguar do rio Joanes e rio Sapato em encontro com o mar havia sido substituída pelo concreto e prédios do centro da cidade de Salvador. Ainda era possível mirar as águas salgadas, no entanto, apesar da esplêndida vista da Baía de Todos os Santos, aquela paisagem não era a que encantava Aruã, de fato. Sentia falta da brisa noturna oceânica de Buraquinho, do salitre voando pelo céu e das ondas remexidas vindas do horizonte. Não que na cidade grande o rapaz não visse alguma beleza ou algo que lhe arrancasse um sorriso. Os barcos da Ribeira eram vistosos e tinham belas pinturas em seus cascos, descer e subir o elevador Lacerda lhe dava frio na barriga e, mesmo diante de um contexto urbano e, em alguma medida, inóspito, Aruã conheceu e fez amizade com diversas pessoas. Inicialmente, conheceu um padeiro no Comércio, que lhe apresentou seu chefe. Logo, Aruã teve a oportunidade de trabalhar como carregador de carga da padaria Dois Irmãos. Daí se trombou com todo o tipo de gente - trabalhadores da região que passavam no estabelecimento após a saída da labuta, dondocas burguesas garimpando quitutes, servidores públicos, artistas locais, cerca de 15 padres católicos, 3 engenheiros do Rio de Janeiro… a lista é grande e ia crescendo a cada dia de trabalho no estabelecimento. Aruã, sem nem perceber, formou uma rede de contatos grande e potente. Não demorou para o surgimento de novas oportunidades e acessos, tanto no que se refere a bicos e trabalhos, mas também no consumo de produções culturais e artísticas. Pela primeira vez, a convite dos amigos que ia fazendo no caminho, ia ao cinema de Roma. Fez amizade com um homem de nome Jorge, escritor que lhe ensinara a ler em apenas 3 meses. O amigo era mais velho que Aruã e devia ter mais de 50 anos. Indicou, emprestou e entregou como presentes diversos livros e leituras de sua biblioteca pessoal - dentre eles clássicos da literatura mundial e brasileira, mas também textos de autores da esquerda e, até mesmo, um livro de autoria do próprio Jorge intitulado “Capitães de Areia”. Não demorou muito para que o rapaz de Buraquinho testemunhasse de perto os cenários de lutas de movimentos sociais presentes no livro que recebera de presente. Foi o próprio chefe, Alberto, o proprietário da padaria em que trabalhava, que lhe ofereceu um emprego no setor industrial, e a partir daí conheceu coletivos organizados de trabalhadores. Seu irmão, Adailton, além de sócio da padaria, tinha um cargo numa empresa metalúrgica. Contou a Aruã da necessidade da sua mão de obra e exaltou os possíveis ganhos salariais do antigo pescador de Buraquinho, que logo aceitou sua proposta. Desde que chegou em Salvador, vinha guardando, quase que religiosamente, um pouco do dinheiro que recebia em cada trabalho, tendo como objetivo aquilo que lhe levou à cidade - obter uma rede de pesca para sua comunidade. Agarrou-se a possibilidade de aumentar sua renda e adentrou o mundo das máquinas industriais. Ganhava mais do que como carregador na padaria, mas exigia o dobro do esforço físico e mental dele, além de não ter qualquer garantia de segurança no trabalho. Os capacetes e óculos de proteção eram insuficientes para a grande quantidade de pessoas trabalhando, e não era incomum ver um colega perder uma falange, dedo ou mesmo uma mão inteira. Nesse mesmo ambiente, se cruzou com a luta dos sindicalistas para pleitear melhores condições de trabalho para a classe operária. Fez amizade com Rogério e outros funcionários engajados e passou a frequentar reuniões e assembleias, não só do setor do metal como também de diversas frentes do comércio e indústria. Via ali não só um movimento para conquistar dignidade salarial e laboral, era a exemplificação de trabalhadores, como ele e seu povo, enfrentando uma estrutura sistemática com organização e, ao menos, alguma efetividade prática. Um dia poderia levar esses pensamentos aos pescadores de Buraquinho. O que será que pensariam? Por que deveriam continuar a dividir o peixe de maneira tão desproporcional? Entendia como nunca os anseios e convicções de Firmino. Mas isso significaria negar tudo que aprendeu com Mestre? Aruã passou a se ver cada vez mais num dilema entre as cosmologias de seus dois diferentes companheiros, até que percebeu que aquelas visões embora soassem antagônicas, poderiam se complementar ao invés de se negar. Era sim possível denunciar um sistema e reivindicar os direitos e desejos das pessoas que o integram ao mesmo tempo em que se mantinha fiel às suas crenças, costumes e cultura. Ele sabia que do conformismo e tradicionalismo de Mestre, assim como da revolta e desejo de mudança de Firmino, existiam aspectos positivos a serem extraídos, aspectos esses que coexistem. A realização dos ritos de candomblé não negava em nada o questionamento da estrutura trabalhista vigente em Buraquinho. A conciliação das ideias rivais de seus conterrâneos não só era possível, como também frutífera para toda comunidade - mas Aruã será capaz de realizá-la? Clique aqui e descubra o desenvolvimento e desfecho dessa história.

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Vermelho-Cioba é uma fanfic de Barravento (Glauber Rocha, 1962) que segue a linguagem do roteiro audiovisual, formato inspirado tanto pelo potencial sinestésico e imersivo da sua leitura quanto pelo alinhamento com a linguagem cinematográfica que a história original carrega por se tratar de um filme. O ponto de partida dessa continuação não-oficial é justamente a saída de Aruã - última cena do filme - que deixa Buraquinho e segue em direção a cidade de Salvador em busca de uma rede de pesca para a comunidade. Assim, a fanfic busca responder questionamentos como "o que Aruã encontrou na cidade?", "ele passou a compreender a visão de Firmino?" ou "foi possível entregar a rede para seu povo?" a partir das pistas presentes no filme somadas as poéticas, ideias e múltiplas referências de cada um dos três autores.

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